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A Navalha de Hanlon e o relatório da TAP

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No final do passado mês de agosto, apareceu à luz do dia um relatório da Inspeção-Geral de Finanças (IGF) sobre a auditoria às contas da Transportes Aéreos Portugueses, SA e da TAP Transportes Aéreos Portugueses, SGPS, SA, que teve grande eco na comunicação social e no “comentariado” nacional.

Segundo os jornais e grande parte dos comentadores, esse relatório da auditoria teria chegado à conclusão de que houve crime na privatização da TAP, ainda no governo de Passos Coelho, cuja Ministra das Finanças era a Dra Maria Luís Albuquerque.

Imediatamente começaram a surgir afirmações, vindas dos mais variados campos políticos e dos mais variados comentadores e jornalistas, que diziam que a TAP tinha sido comprada com o dinheiro da própria TAP.

Depois de ter lido o citado relatório da IGF, fico completamente abismado com as conclusões a que a grande maioria dessas pessoas chegou.

Que os partidos políticos, e os seus dirigentes, refiram e propalem apenas uma parte do relatório, sendo grave não deixa de ser normal e já estamos até bastante habituados (infelizmente) a que isso aconteça. Mas, ver os meios de comunicação social ir nessa onda, parece-me muito mais grave e revelador do ponto a que a grande maioria dos meios de comunicação e dos jornalistas chegaram.

Atrevo-me a dizer que a maioria dos jornalistas comentadores e políticos não leu o referido relatório, porque se o tivessem feito, não conseguiriam ser assim tão tendenciosos.

O relatório da auditoria apresenta seis conclusões:

1) Os valores aplicados na VEM/TAP ME Brasil ascendiam em 2023, a 906 M€, antecipando-se a sua perda total;
2) Capitalização da TAP, SGPS, no montante de 226,75 MUSD, através de fundos da AIRBUS, no âmbito do designado Framework Agreement;
3) Relação de causalidade entre a aquisição das ações e a capitalização da TAP, SGPS pela Atlantic Gateway, e os contratos celebrados entre a TAP, SA e a AIRBUS;
4) A DGTF pagou 55 M€ à Atlantic Gateway, pela aquisição de 22,5% das participações sociais da TAP, SGPS, sem demonstração dos cálculos inerentes a essa aquisição;
5) Pagamento de renumerações e prémios a gestores da TAP através de um contrato de prestação de serviços, no valor total de 4,3 M€;
6) Subsistem dúvidas quanto ao beneficiário dos serviços de alguns contratos de consultoria celebrados pela TAP, SA e TAP, SGPS, no montante de 11,7 M€.

Olhando para estas seis conclusões, parece-me muito estranho que apenas se fale na segunda e terceira e não nas outras. Toda a gente sabe que os 226,75 milhões de Dólares Americanos foram efetivamente injetados na TAP, que foram usados para comprar aviões e para pagar contas do dia a dia. Temos de recordar que, à data, a TAP não tinha dinheiro para nada, nem para pagar o combustível para os aviões, estava completamente falida. Os bancos não emprestavam mais dinheiro. Não havia nenhum dinheiro na TAP, por isso, se os privados quisessem comprar a TAP com o dinheiro da TAP tinham azar. A TAP estava avaliada entre menos 511,9 e menos 36,0 milhões de euros. Para ser um negócio justo, quem comprasse a TAP devia ainda receber entre 36 e 511.9 milhões de euros (avaliação feita pela PWC e Deloitte e constante do relatório de auditoria à Reprivatização e Recompra da TAP do Tribunal de Contas feito em 2018).

Se o dinheiro era da TAP, porque é que ninguém tinha feito o que a gestão privada fez?

Insurgem-se contra uma eventual (e falsa) compra da TAP com dinheiro próprio, mas não se importam com a compra da TAP com dinheiro dos portugueses sem qualquer justificação.

E, mesmo que não soubéssemos o que aconteceu e como aconteceu com os “fundos Airbus”, como é que gerou tanta indignação uma questão de 226.75 MUSD (217,5 milhões de Euros) e passou completamente ao lado o valor da conclusão número 1), que fala numa perda de 906 milhões de euros (um valor mais de quatro vezes superior)? E também como é possível não soar os alarmes com o referido no ponto 5, que fala de pagamentos de remunerações através de contrato de prestação de serviços, para fugir aos impostos?

Mesmo dizer, que a IGF propõe o envio do relatório ao Ministério Público, por causa do assunto dos “fundos Airbus” é, mais uma vez, contar apenas uma parte da verdade. O próprio relatório afirma, que quanto aos fundos Airbus, a ser ilegal a operação, “a penalidade consiste na nulidade dos contratos ou atos unilaterais que lhe estão subjacentes”. Parece bem mais grave fazer contratos para fugir aos impostos (pelo menos na opinião da IGF) e é por isso, também, que a IGF propõe o envio para o MP.

Muitos viram na divulgação deste relatório um ataque direto à Dra Maria Luís Albuquerque, proposta para ser Comissária Europeia. Eu acredito que alguns tiveram essa intenção, mas muitos outros, apenas “seguiram a manada” sem qualquer espírito critico.

Há uns anos para cá, adotei para a minha vida, a chamada “navalha de Hanlon”. A Navalha de Hanlon é um princípio de pensamento que sugere que não devemos atribuir à maldade o que pode ser adequadamente explicado pela estupidez, incompetência ou mal-entendido.

Leia em www.onoticiasdatrofa.pt
http://dlvr.it/TDFmgF

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