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Paulino Macedo: “Nunca foi feita uma reflexão séria sobre o projeto educativo municipal”

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Com 35 anos de experiência como gestor educativo, Paulino Macedo prepara-se para abraçar a nova fase da vida, na aposentação. Em entrevista ao NT e à TrofaTv, o professor de Moral e diretor que marcou gerações de alunos na cidade da Trofa falou dos momentos que marcaram a carreira profissional, que passou pela criação dos agrupamentos de escolas, pelo encerramento de estabelecimentos, pela remodelação do parque escolar e pela pandemia de Covid-19. CÁTIA VELOSO

Jornal do Ave (JA): Como é que começa a sua ligação com a docência?
Paulino Macedo (PM): Essa pergunta vai-me fazer recuar a 1981/82. Com 20 anos, ainda não tinha feito a tropa, deixei ficar o curso a meio e há um superior meu que me diz: “e agora, para onde vais?”. Eu disse que ia para a minha aldeia, que é de Trás-os-Montes, no concelho de Murça, e ele respondeu que eu tinha algumas habilidades e competências para ser professor e perguntou-me se queria ser professor de Moral. Eu não sabia o que era, mas disse que sim. Fui falar com o responsável pela colocação dos professores de Moral, o doutor Godinho, e ele disse que lhe faltava um na Trofa. Eu não fazia ideia onde era a Trofa, mas meti-me no autocarro e pedi ao ‘pica’ para me avisar quando chegasse ao centro da Trofa. Lá saí e entrei, penso, no Café D. Pedro V, e perguntei onde ficava o ciclo, que ficava no alto de Valdeirigo.
Quando vim dar aulas era transitório, porque, entretanto, iria para a tropa e, eventualmente, iria arranjar outro emprego. Tenho um irmão que trabalha nas Finanças e o meu sonho era ser empregado de escritório. Mas gostei da experiência, a Trofa foi mobilizadora e, claro, a gente com 20 anos e com algum dinheiro era como um rei. Ganhei gosto pela Trofa, que, enquanto cidade, é muito bairrista e dá-me a impressão que me incutiram esta vontade de ser bairrista também. Eu diria que sou mais trofense do que muitos que nasceram depois da evolução que esta Trofa sofreu ao longo do tempo.
Acabamos por ganhar raízes na própria escola, começamos a ser conhecidos pelos alunos e pelos professores, começamos a fazer parte de uma comunidade e depois é difícil sair. Em 86/88, eu tenho a minha primeira experiência de gestão, depois de me convidarem para ser vogal de um conselho diretivo. Segue-se a função de secretário e, em 1998, como presidente da comissão instaladora e presidente do conselho executivo e por aí em adiante, até agora.
Eu só deixei de dar aulas em 2003, porque, antes, mesmo como presidente do conselho executivo, eu fazia questão de ter uma turma, para também fazer essa ligação com os alunos e com os professores.

JA: Que potencialidades lhe reconhecia para a função de gestor de um estabelecimento escolar?
PM: Como lhe disse, o meu sonho era ser administrativo. A experiência como secretário foi positiva e também me preparei. Só assumi o cargo de presidente, em 1998, depois de ter uma especialização em administrarão escolar, que mais tarde complementei com um mestrado na mesma área.

JA: Desses primeiros anos como líder do agrupamento, que dificuldades é que encontrou?
PM: Eu passei por muitas dificuldades, seria exaustivo enumerá-las todas, mas, por exemplo, o parque escolar da Trofa evoluiu muito. Passou por mim a reconstrução das escolas de Finzes, de Esprela 1, de Cedões, da Lagoa, de Bairros, da EB 2/3 Professor Napoleão Sousa Marques e da Escola Secundária da Trofa. A que me doeu mais foi a de Esprela 1, porque, quando foi feita a vistoria naquele estabelecimento – que era para ser só jardim de infância -, os responsáveis da DREN (Direção Regional de Educação do Norte) disseram que estávamos perante uma escola de luxo, única na área de influência daquele organismo. Fiquei todo orgulhoso. Dois anos depois, tivemos de mobilizar os alunos para Paradela. Esta situação doeu-me muito, assim como me doeu o encerramento da Escola de Cidai.

JA: Na altura, estes acontecimentos podiam ter, junto da comunidade, parecido uma insensibilidade por parte do diretor do Agrupamento e dos responsáveis políticos.
PM: Quanto à política, olhando para trás, na Trofa, nunca foi feita uma reflexão séria sobre uma Carta Educativa, ou um projeto educativo municipal, que estabeleça quem somos e o que queremos. Já do ponto de vista do serviço à comunidade, é ótimo, só que a dificuldade que o diretor tem é a gestão de recursos humanos. Eu não posso ter uma biblioteca montada, com todas as valências, em cada uma das escolas, não podemos ter uma cozinha em todas as escolas, não podemos ter grupos de professores em cada uma das escolas, porque são pequenos e o número dá escala e força. Daí que, do ponto de vista pedagógico, foi um desafio muito grande, ao longo destes anos todos, tentar reunir e fazer com que todos os professores tivessem procedimentos muito homogéneos. Um dos grandes desafios foi colocar na Escola Secundária todos os alunos da EB 2/3 Prof. Napoleão Sousa Marques. Foi um ano de experiência, mas também um ano de excelência, porque estávamos todos juntos.

JA: Não seria uma boa solução para o futuro?
PM: Eventualmente.

JA: Mas, entretanto, já se investiu na reconstrução da EB 2/3 Professor Napoleão Sousa Marques.
PM: Também com uma obra expressiva, muito bem conseguida, com as naturais dores de crescimento. Mas era preciso pensar numa carta educativa que desse resposta a uma área geográfica que é a cidade da Trofa, porque continuamos a ter a Esprela um bocadinho abandonada, ou a fazer remendos de vez em quando, no vai ou não vai requalificar-se a Escola do Paranho, a Escola de Bairros com uma claraboia que não parte, nem deixa de partir, e sempre com remendos, ano a ano… Não sei ser seria solução concentrar tudo, mas não nos fazia mal pensar nisso, refletir e fazer uma discussão pública, que nos permitisse fazer uma gestão pedagógica para conseguirmos racionalizar mais os recursos. Mas esta Escola Secundária tem 78 salas. Isto é um mundo.

JA: Quantos alunos teve na Escola Secundária da Trofa nesse ano letivo?
PM: Tínhamos mais de dois mil alunos. Na altura, houve muita preocupação inicial, porque os meninos pequeninos iam para junto dos grandes. Mas do ponto de vista da relação humana, quantas vezes vi os alunos mais velhos a darem prioridade aos mais novos. E os pequeninos sentiam-se amparados pelos mais velhos. A comunicação entre as várias gerações também é positiva.

JA: O professor passou também por uma grande transformação dos agrupamentos escolares, foi difícil essa fase?
PM: Eu fiz os agrupamentos todos. Não foi fácil. Em 2003/2004, cria-se o Agrupamento Vertical da Trofa, com a junção dos agrupamentos horizontais de Santiago de Bougado e de S. Martinho de Bougado, compostos pelas escolas do 1.º ciclo à EB 2/3. Não foi fácil, porque os colegas do 1.º ciclo estavam habituados a uma cultura muito própria e a simples ida a uma reunião na EB 2/3 já era uma coisa do outro mundo. Em 2012, sou novamente chamado para fazer um novo Agrupamento, em que a Escola Secundária foi agregada, com 3204 alunos. Era o quarto maior agrupamento do País. A agravante foi ter assumido a Escola Secundária com uma crise de identidade muita profunda. Tinha sido exonerado o diretor, andava tudo em tribunal. Só para se ter uma ideia, eu vim para aqui em 2012 fazer o orçamento de 2009. Mas conseguimos. A minha carta de missão tinha quatro focos de incidência: resultados escolares, disciplina, tecnologias e abertura da escola à comunidade. Acho que estas quatro metas foram, minimamente, alcançadas e temos, hoje, um Agrupamento, do ponto de vista organizativo, muito bem estruturado.

JA: Quanto aos resultados escolares, fala-se muito dos rankings, cujos resultados de 2023 saíram, recentemente. Para um diretor, a importância que tem esses rankings é subjetiva?
PM: Não é subjetiva, porque quem está nos primeiros lugares fica todo orgulhoso e quem fica nos últimos não gosta e conclui que os alunos têm de estudar mais, precisam de mais apoio, ou de participar mais na escola. Às vezes, é imputada a culpa aos outros, quando muitas vezes a escola tem de refletir sobre as práticas diárias. Em coisas simples como a construção do horário, por exemplo. Se temos uma turma que vem de longe, de camioneta, que chega aqui, por norma, às 08h45, não podemos colocar educação física a essa hora, porque, senão, eles só vão ter um quarto de hora de aula. Não podemos fazer um horário de um aluno com cinco horas, em que quatro são teóricas e uma mais de natureza prática. No limite, a prática tem de ser a meio, para quebrar. Os alunos estão 35 horas sentados numa sala de aula. Nós adultos, com 35 horas de trabalho, mexemo-nos todos. Os alunos também precisam de tranquilidade e de alguém que cuide destes pormenores. A escola não é só dar aulas, é preciso deixá-los brincar e arejar. Temos de fazer atividades que eles gostem. Cada professor tem liberdade para apresentar, no plano anual de atividades, tarefas e atividades que vão ao encontro do gosto dos alunos.

JA: E quando vê alunos serem notícia porque são bem-sucedidos do ponto de vista profissional ou social?
PM: É lógico que ficamos de peito feito, todos orgulhosos. Tal como ao contrário. Há dias, estava no café e passou por mim um antigo aluno, que era terrível na escola e pelo qual eu não augurava nada de bom, mas ele disse-me que era jardineiro e tinha constituído família. Aprendeu uma profissão e tinha um projeto de vida consolidado. Estes casos também nos enchem o coração. Mas também nos marcam aqueles que caem na desgraça, por vicissitudes da vida, e pelos quais sentimos que podíamos ter feito algo mais por eles.

JA: Do ponto de vista da disciplina, como se tem adaptado a escola à grande mudança de gerações, fortemente impulsionada pelas novas tecnologias?
PM: Numa visão do diretor e de quem trabalha com ele, tivemos a necessidade de criar uma equipa de professores, a que chamamos o gabinete da disciplina. E este grupo é aquele que leva com o primeiro impacto, se vier um pai zangado fazer queixa de um professor, ou do colega do aluno, o facto de ter alguém com quem falar, esvazia logo a tensão que ele possa ter. E depois, sim, vamos avaliar e perceber se há motivo para avançar com um processo disciplinar. Já temos este gabinete há alguns anos e tem dado resultado. Este ano, com esta avalanche de alunos estrangeiros, tivemos necessidade de criar um outro gabinete, que deve ser original, que serve para o acolhimento desses jovens. Nos primeiros dias, eles não têm aulas, mas andam com essa equipa a conhecer toda a dinâmica e as regras da escola e os diferentes espaços. Depois, tentamos perceber qual a melhor maneira de eles interagirem com os colegas, eventualmente um vizinho, ou alguém que possa ir na mesma camioneta.
Temos um outro programa de tutorias e de mentorias, alargado a todos os alunos. Temos estudantes com um determinado perfil que se candidataram a ser mentores dos mais novos. A primeira experiência que tivemos foi de que toda a gente queria ser mentor, mas não havia quem quisesse ser mentorando. Mas conseguimos, a equipa selecionou alguns alunos com perfil para fazer a mentoria, que acompanham alunos mais novos, perguntando-lhes se fizeram os trabalhos de casa, se precisam de ajuda para alguma tarefa ou se tiveram algum problema durante os intervalos, ou então chamando a atenção para o caso de se terem comportado mal ou tirado uma má nota. Ainda estamos no início, mas tem dado resultados.

JA: O trabalho de abertura à comunidade tem tido retorno?
PM: Não tem sido fácil. A conta de e-mail do Agrupamento está aberta e muitas vezes são as associações de pais que, por exemplo, pedem autorização para fazer uma atividade e a minha resposta é quase sempre que sim, mas desde que seja colocada no plano anual de atividades. Eles têm credenciais, basta ir ao plano anual de atividades e inscrever a atividade, não precisam de estar a mandar e-mails. O problema é, depois, a avaliação. Não é complicado, mas dá trabalho. Precisamos de dar esse passo.

JA: Quais os principais momentos que ficarão na memória?
PM: Há um dia terrível, quando estávamos preparados para fazer uma festa na EB 2/3 Napoleão Sousa Marques e um aluno foi atropelado por um comboio. Esse dia será inesquecível pela tristeza que provocou em toda a comunidade escolar. Quanto a dias felizes, ainda há pouco tempo recordavam que quando cheguei ao cargo de diretor, comecei a fazer a receção do ano letivo para funcionários, assistentes operacionais e técnicos e professores, ao contrário dos anos anteriores, em que só era feita com os professores. E no final do ano letivo, muitas vezes alugávamos uma ou duas camionetas e lá íamos nós em convívio. Chegamos a ir a Chaves e a Ribeira de Pena. Dias felizes, em que éramos todos da mesma comunidade educativa. Isso marcou e muita gente ainda recorda esses momentos.
Outros dias muitos felizes tive em termos de organização pedagógica, como aquele em que a Parque Escolar me disse que já podia usar todo o edifício (da Escola Secundária). O mesmo aconteceu com a EB 2/3 Professor Napoleão Sousa Marques, que foi inaugurada na véspera do início do ano letivo. Isto fez com que me sentisse que afinal era diretor de um grande Agrupamento com escolas topo de gama.

JA: E depois de 35 anos, o que espera do futuro?
PM: O stress dá pica. Em 2012, quando fazia a viagem para cá, até me doía a barriga, porque não era, de facto, o meu mundo. Mas habituei-me a isto. Levantar-me às 07h00 com vontade de vir para a escola, foi sempre isso que me animou. Era um prazer e continuo a ser dizer que sou o primeiro a chegar à escola e o último a sair. O futuro não vai ser fácil. Preciso de descansar, projetos ainda não tenho, mas eles vão aparecer, com certeza. Pode ser que, dentro da investigação, haja coisas que vou gostar de fazer, como andar nos cartórios paroquiais, que têm coisas muito interessantes, e como tenho formação na área da teologia e do seminário, estou familiarizado com isso, e poderei andar por lá, no meio do pó. Pode surgir alguma coisa numa universidade. Por exemplo, o meu trabalho de mestrado foi sobre a participação dos pais na escola, que tem muito pano para mangas e por que não aprofundar essa área?

Leia em www.onoticiasdatrofa.pt
http://dlvr.it/TBGg1G

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